sexta-feira, 21 de outubro de 2011

vida!

O mundo não é maternal

Martha Medeiros

É bom ter mãe quando se é criança,
e também é bom quando se é adulto.
Mas quando se é adolescente
a gente pensa que viveria melhor sem ela.
Mero erro de cálculo.
Mãe é bom em qualquer idade.
Sem ela, ficamos órfãos de tudo,
já que o mundo lá fora não é nem um pouco maternal conosco.
     
O mundo não se importa se estamos
desagasalhados e passando fome.
Não liga se virarmos a noite na rua,
não dá a mínima se estamos acompanhados
por maus elementos.
O mundo quer defender o seu, não o nosso. 
O mundo quer que a gente fique horas no
telefone, torrando dinheiro.
Quer que a gente case logo e
compre um apartamento que vai nos deixar endividados por vinte anos.
O mundo quer que a gente ande na moda,
que a gente troque de carro, que a gente tenha boa aparência e estoure o cartão de crédito.
Mãe também quer que a gente tenha boa aparência,
mas está mais preocupada com o nosso banho,
com os nossos dentes e nossos ouvidos,
com a nossa limpeza interna:
não quer que a gente se drogue,
que a gente fume, que a gente beba.
     
O mundo nos olha superficialmente.
Não consegue enxergar através.
Não detecta nossa tristeza, nosso queixo que treme,
nosso abatimento.
O mundo quer que sejamos lindos,
sarados e vitoriosos para enfeitar ele próprio,
como se fôssemos objetos de decoração do planeta.
O mundo não tira nossa febre, não penteia nosso cabelo, não oferece um pedaço de bolo feito em casa.

O mundo quer nosso voto,
mas não quer atender nossas necessidades.
O mundo, quando não concorda com a gente, nos pune, nos rotula, nos exclui.
O mundo não tem doçura, não tem paciência,
não para para nos ouvir.
O mundo pergunta quantos eletrodomésticos temos em casa e qual é o nosso grau de instrução,
mas não sabe nada dos nossos medos de infância,
das nossas notas no colégio, de como foi duro
arranjar o primeiro emprego.
Para o mundo, quem menos corre, voa.
Quem não se comunica se estrumbica.
Quem com ferro fere, com ferro será ferido.
O mundo não quer saber de indivíduos,
e sim de slogans e estatísticas.

Mãe é de outro mundo.
É emocionalmente incorreta:
exclusivista, parcial, metida, brigona,
insistente, dramática,
chega a ser até corruptível
se oferecermos em troca alguma atenção.

Sofre no lugar da gente,
se preocupa com detalhes
e tenta adivinhar todas as nossas vontades,
enquanto que o mundo propriamente dito
exige eficiência máxima,
seleciona os mais bem-dotados e
cobra caro pelo seu tempo.

Mãe é de graça.

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